segunda-feira, 21 de março de 2011

Tempo...


A algum anos li o famoso livro “O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse.

Hoje, ouvindo novamente a música The Sounds of Silence, compreendi um trecho da letra, que nunca tinha feito tanto sentido. E isso me lembrou do prefácio de “O Lobo da Estepe”, escrito pelo próprio Hesse.

Entre outras coisas, ele dizia que seu livro foi escrito para pessoas maduras, e que ele não compreendia o grande apreço que os jovens tinham por um livro que não poderiam compreender.

GÊNIO!

Eu continuo gostando do livro, e acho que ele traz questionamentos fantásticos. Mas é impossível não me perguntar, não depois de hoje, quando com 27 anos tive uma nova interpretação de uma música que sou familiarizado desde os 15. Quanto do livro e da genialidade de Hermann Hesse eu não compreendo?

Ou, um pensamento um pouco mais sórdido. O quanto do que eu acho que compreendo (e eu tenho a tendência a achar que entendo muito bem algumas coisas) eu realmente compreendo? O quão aquém de um conhecimento adequado eu estou, em quantos assuntos?

Sim, eu tenho uma boa compreensão (em diversos casos bem superior a grande maioria das pessoas). Mas, o quanto isso realmente significa? O quão melhor do que eu outras pessoas compreendem? Pior do que isso, quanto ainda existe para ser conhecido, além do que qualquer humano compreende?

Se somos a imagem e semelhança de Deus, ele é um analfabeto, uma criança de cinco anos perdida em um bote no meio do oceano, ou em qualquer parte do oceano, não importa. Ele nunca vai realmente saber.

Compreendemos muito e temos um caminho promissor pela frente (eu não seria um cientista se pensasse diferente). Mas o quanto do que existe para ser conhecido é simplesmente INCOGNOSCÍVEL para nós? Não desconhecido, não por descobrir, mas simplesmente DEMAIS PARA NOSSA COMPREENSÃO?

Boa noite, e bons sonhos... se você puder. Eu fico com Palavras que martelam dia e noite, palavras que nunca serão escritas, palavras que apenas ficam perturbando o silêncio.

sábado, 5 de março de 2011

Outras Pessoas

"O tempo é fluído aqui", disse o Demônio.

Ele soube que era um demônio no momento em que o viu. Ele apenas soube, da mesma forma que ele soube que aquele lugar era o Inferno.

Não existe nada mais que qualquer um pudesse ser.

O cômodo era comprido, e o demônio esperava perto de um braseiro aceso na extremidade oposta. Uma infinidade de objetos estava pendurada na parede, de uma pedra cinza. O tipo de coisa que não era sábio ou reconfortante inspecionar de perto. O teto era baixo, o chão estranhamente insubstancial.

"Venha mais perto", disse o demônio, e ele foi.

O demônio era angulosamente magro, e nú. Ele possuia cicatrizes profundas, e aparentemente havia sido esfolado em algum ponto distante no passado. Ele não possuia orelhas, nenhum sexo. Seus lábios eram finos e ascéticos, e seus olhos eram olhos de demônio: eles haviam visto muito, e ido muito longe, e sob aquele olhar, ele se sentiu menos importante que uma mosca.

"O que acontece agora" ele perguntou.

"Agora" disse o demônio, em uma voz que não carregava um único resquício de tristeza, ou satisfação, apenas uma clara e assustadora resignação, "você vai ser torturado".

"Por quanto tempo?"

Mas o demônio sacudiu a cabeça e não respondeu. Ele caminhou vagarosamente ao longo da parede, mirando o primeiro dos aparelhos que estavam pendurados lá, depois outro. No final da parede, perto de uma porta fechada, havia um açoite, feito de um ferro desgastado. O demônio pegou-o com uma mão que possuia apenas 3 dedos e voltou caminhando, carregando-o de forma reverente. Ele colocou as tiras de ferro no braseiro, e ficou olhando enquanto elas esquentavam.

"Isto é desumano"

"Sim"

As pontas do açoite brilhavam em um laranja escuro.

Enquanto o demônio levantava o braço para dar o primeiro golpe, ele disse "vai chegar um tempo, em que você irá lembrar desse momento com ternura."

"Você é um mentiroso."

"Não" disse o demônio. "A próxima parte", Ele explicou no momento anterior ao baixar o braço com o açoite "é pior."

Então as tiras do açoite pousaram sobre as costas do homem com um estalo e um silvo, rasgando através de roupas caras, queimando, dilacerando e triturando enquanto golpeavam, e não pela última vez naquele lugar, ele gritou.

Haviam duzentos e onze instrumentos nas paredes daquele cômodo, e com o tempo, ele pode experimentar cada um deles.

Quando, finalmente, o último instrumento, que ele teve tempo para conhecer intimamente, foi limpo e recolocado na parede, no seu devido lugar, então, através de lábios arruinados, ele gaguejou, "E agora, o que?"

"Agora", disse o demônio, "a verdadeira dor começa."

E começou.

Tudo que ele havia feito, ou deixado de fazer. Cada mentira que ele contou - para si mesmo, ou para os outros. Cada pequena dor, e todas as grandes dores. Cada uma delas foi jogada em cima dele, detalhe por detalhe, centimetro por centimetro. O demônio arrancou fora a proteção do esquecimento, despiu tudo até a verdade, e isso machuca mais do que qualquer coisa.

"Me diga o que você pensou quando ela caminhou através da porta", disse o demônio.

"Eu pensei que meu coração havia sido despedaçado."

"Não," disse o demônio, sem raiva, "você não pensou." E encarou ele com olhos inexpressivos, e forçou ele a olhar para baixo.

"Eu pensei, agora ela nunca vai saber que eu andava dormindo com a irmã dela."

O demônio desmontou sua vida, momento por momento, instante por instante por horríveis instantes. Isto durou centenas de anos, talvez, ou milhares de anos - eles tinham todo o tempo que sempre existiu, naquele cômodo cinza - e antes de chegar ao fim ele percebeu que o demônio havia dito a verdade. A tortura física era muito mais gentil.

E então terminou.

E assim que terminou, começou novamente. Havia um auto-conhecimento que não estava lá na primeira vez, e de alguma forma, só tornava tudo ainda pior.

Agora, enquanto ele falava, odiava a si mesmo. Não existiam mentiras, nenhuma evasão, nenhum espaço para nada além da dor e da raiva.

Ele falou. Ele não chorou mais. E quando ele terminou, milhares de anos depois, ele rezou para que o demônio fosse até a parede e trouxesse a faca de esfolar, ou a pêra de estrangulamento, ou os parafusos de perfuração.

"De novo," disse o demônio.

Ele começou a gritar. E ele gritou por um longo tempo.

"De novo," disse o demônio, quando ele terminou, como se nada houvesse sido dito.

Era como descascar uma cebola. Dessa vez, através de sua vida, ele aprendeu sobre consequências. Ele aprendeu o resultado de coisas que havia feito; coisas para as quais ele estava cego quando as fez; os caminhos pelos quais ele feriu o mundo; os danos que ele fez para pessoas que ele nunca conheceu, ou soube que existiam. Foi a pior lição até o momento.

"De novo," disse o demônio, milhares de anos depois.

Ele se agachou no chão, ao lado do braseiro, balançando levemente, com seus olhos fechados, e ele contou a história da vida dele, re-vivenciando conforme ele contava, do momento do nascimento até a morte, sem mudar nada, sem deixar nada para trás, enfrentando tudo.

Ele abriu seu coração.

Quando ele terminou, ele sentou-se ali, com seus olhos fechados, esperando aquela voz dizer "De novo," mas nada foi dito.

Lentamente, ele se levantou. Ele estava sozinho.

Na extremidade oposta do cômodo, havia uma porta, e quando ele olhou, a porta abriu.

Um homem deu um passo através da porta. Havia terror no rosto do homem, e também arrogância, e orgulho. O homem, que usava roupas caras, deu vários passos exitantes para dentro do cômodo e então parou.

Quando ele viu aquele homem, ele entendeu.

"O tempo é fluído aqui," ele disse ao novo hóspede.